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"Tem que ser menos show e mais comprometimento".

Laurent Suaudeau: Tem que ser menos show e mais comprometimento

By Infood

Francês nascido em Cholet, Vale do Loire, em 1957, Laurent Roland Suaudeau já sabia, desde seus 8 anos de idade, que queria ser cozinheiro. Seus primeiros passos numa cozinha profissional foram aos 14 anos e meio, durante suas férias escolares. Ele sempre contou com o apoio do pai, que acatou o desejo de se formar cozinheiro. Nessa época, segundo Laurent, “fui conhecer como funcionava uma cozinha, e nunca mais sai”.

Em entrevista à INFOOD, o chef conta como veio parar no Brasil, comenta das dificuldades que se enfrenta para administrar um restaurante – “Acredito hoje em dia que a gestão é 70% do sucesso de um restaurante, fala de como a sua paixão por cozinhar o motiva a ensinar, e discorre sobre a formação de cozinheiros – “Eu sempre fui contra a pessoa ser chamada de chef ao se formar numa escola de gastronomia“.

 

INFOOD – O que é preciso para ser um bom cozinheiro?

LAURENT SUAUDEAU – A curiosidade é importante. Tem que ser curioso, e tem que ter um bom coração. A gente tem que se dar com os outros, tem que servir os outros. Esse lado de trazer satisfação para o próximo faz parte do trabalho do cozinheiro. Não se pode ser um cozinheiro de uma forma mecânica. Tem que se buscar o prazer a quem se vai servir. E, tem que ser movido pela paixão. Tem que gostar de cozinhar. Eu, por exemplo, se ficar longe das panelas por 3 dias, já sinto que está me faltando alguma coisa.

INFOOD – Você veio para o Brasil com 23 anos, para chefiar a cozinha do Le Saint-Honoré, no Hotel Méridien, no Rio de Janeiro. A princípio você ficaria no Brasil apenas alguns meses, e está aqui até hoje . O que te fez ficar por aqui ?

LAURENT – Eu não escolhi o Brasil. Fui mandado para cá, para ficar um curto tempo, e depois iria para o Japão. Apos meu período em Lyon, eu estava disposto a ir a qualquer lugar fora da França. Eu não conhecia nada do Brasil, não tinha ouvido nada daqui, exceto sobre o futebol do país. Fui pesquisar em uma enciclopédia alguma coisa sobre o Brasil. Eu não tinha intenção de ficar.  E, inicialmente, o Brasil não me agradou muito. Cheguei inclusive a mandar um Telex para o Bocuse falando que eu não queria ficar por aqui, que eu iria cumprir o combinado, de ficar uns 3 ou 4 meses no Brasil, e que depois eu iria embora. Nunca imaginei que ficaria por aqui por mais de 35 anos. Chegando aqui comecei a me envolver com o trabalho, com a equipe, com os produtos locais. O meu destino seguinte seria Tóquio, mas a vida é destinoeu encontrei minha futura esposa. Aí já era ! Estou aqui até hoje!

INFOOD – O que acha dos ingredientes típicos do nosso país?

LAURENT – Ao chegar aqui, não encontrei os produtos que eu estava acostumado, o que me deixava um pouco consternado. Como eu trabalhava na cozinha de um hotel, havia um protocolo, e eu tinha que trabalhar com os produtos que eles me mandavam, com aquilo que me chegava às mãos. Logo percebi que havia alguma coisa errada, pois nos meus momentos de folga, eu ia até uma feira  que ficava atrás do hotel Meridian, e lá eu via produtos extraordinários. Então eu resolvi peitara administração do hotel e fui comprar os meus produtos! Nesse momento eu percebi que havia condições de se fazer uma cozinha bacana, com produtos que eu não conhecia, mas que eram produtos de qualidade. Comecei a me integrar com a cultura local, utilizando a mandioquinha, o quiabo

INFOOD – Na sua opinião, quais os maiores desafios enfrentados para abrir um restaurante atualmente?

LAURENT – Gestão. A gestão é fundamental. Acredito hoje em dia que a gestão é 70% do sucesso de um restaurante.  Ser um bom gestor num lugar errado também não é suficiente. São vários elementos que têm que ser levados em consideração junto com saber cozinhar para ter um sucesso comercial. Os custos estão aí, o mercado está degringolando, e não sei como vai ficar a situação. Pelo andar da carruagem, pelo que eu ouço falar, no mercado, tem muita gente que está quebrando.

INFOOD – Atualmente você ensina, atua como consultor gastronômico, dá palestras, escreve livros, e presta assessoria a restaurantes e hotéis. Qual a razão de ter fechado seu próprio restaurante Laurent?

LAURENT – São várias razões, na verdade. Eu senti uma mudança no tipo da clientela. A pessoa que cuidava da administração não estava comprometida com a casa e isso é complicadíssimo. Eu estava sentindo que a coisa não ia melhorar. O tipo de negócio que eu tinha era uma cozinha autoral, e esse tipo de casa não estava sendo mais assimilada para estar aberta no dia a dia  como um restaurante.  Hoje no mercado são muito poucos os restaurantes de autor que estão sobrevivendo.

INFOOD – O que acha da atual formação dos cozinheiros? As faculdades ensinam o suficiente para que uma pessoa saia um cozinheiro? Ou você acredita que é na prática que a pessoa acaba aprendendo?

LAURENT – Em nenhum momento, uma escola tem como formar um profissional apto para encarar o mercado na mesma hora. Essa mentira (que a pessoa se forma e já está preparada) tem que ser desmascarada. A escola dá instrumentos e possibilidade da pessoa ver se é isso mesmo que ela quer, além de dar um conhecimento básico que ele vai poder usar durante a sua peregrinação profissional. Mas isso tem que estar mais claro. Eu sempre fui contra a pessoa ser chamada de chef ao se formar numa escola de gastronomia. Essa palavra chef é muito gananciosa. Gananciosa para os pais que estão investindo. Mas eu sou o primeiro a reconhecer o porquê do Brasil ser o primeiro país que tem curso com pretensão de formar chef. Isso acaba levando muita gente a se iludir. Um pai de classe média, dificilmente, numa roda de amigos, vai querer dizer que seu filho está formando como cozinheiro. Ele vai dizer que seu filho está se formando como chef. Paralelamente, há uma glamourização por parte da mídia, que percebeu que é um setor em plena expansão, e que poderia tirar proveito com isso.

Falta incentivo para investimento no setor hoteleiro de porte. Isso porque esse setor é um grande formador de mão de obra qualificada. A melhor forma de se formar, ainda é praticar!  E isso leva, no mínimo, de 5 a 10 anos. E nesse período de praticar, deve-se ter em mente que o salário não é essas coisas

INFOOD – Em 2000, há 15 anos, você fundou em São Paulo a Escola das Artes Culinárias Laurent. Hoje a EAC é vista como um ícone do aprendizado técnico na área da culinária. Quem é seu principal público na Escola?

LAURENT – Hoje, o nosso principal público são pessoas que são do mercado, atuando em buffets, sus chefs de restaurantes, private chefs de milionários, donos de pousadas e hotéis do Brasil inteiro. Gente que montou um negócio no ramo de restaurante ou hotel, mais por curiosidade, e se deram conta de que, se não se profissionalizassem, a curiosidade iria custar muito caro. Pessoas que não têm uma formação acadêmica do metier, mas são empreendedoras, e chega o momento que sentem necessidade de saber mais. Esse público chega a ser 60%.

INFOOD – O grupo Egeu convidou-o para reformular o cardápio do restaurante Kaá. Como foi a experiência?

LAURENT – É uma experiência muito interessante, porque ali você tem que organizar o produto como um todo e ver o que os investidores estão aguardando. Porque hoje tem isso: você é convidado para fazer um trabalho, mas tem os investidores. Você não pode se iludir. Se os resultados não estão aí, é muito obrigado e tchau! Tem dinheiro envolvido e esse dinheiro tem que ter volta. O meu trabalho ali é redefinir a cara do Kaá. É uma experiência em equipe, pois lá tem um chef, um grande amigo meu, o italiano Mássimo Barletti, que toca a cozinha. A decisão operacional de custo é dele. Eu venho com a cereja do bolo, mas se a cereja é muito cara, ele é o primeiro a me dizer que não vai dar. É um trabalho em equipe, e que faz você se posicionar com bastante humildade.

INFOOD – Durante o Sirha Rio 2015, foi realizada seletiva brasileira do Concurso Bocuse D’Or. Você foi nomeado presidente do Concurso e responsável por formar o comitê e selecionar os candidatos. Qual a importância do evento para a gastronomia brasileira ?

LAURENT – É uma iniciativa que vai na direção de congregar os esforços de vários cozinheiros do país.  É uma grande festa, e uma festa que poderá nos levar a ser muito bem representado em uma competição internacional. É uma olimpíada que congrega as pessoas em volta de uma coisa que se chama cozinha. Somos todos amantes da cozinha. Espero que incentive a juventude a acreditar que a profissão de cozinheiro tome essa direção, com seriedade. Menos show, mais comprometimento. O Sirha está chamando os cozinheiros a se comprometerem com a profissão e com o país.

INFOOD – Apesar de cada vez mais, a mulher conquistar seu espaço, só havia uma mulher entre os 8 escolhidos para a seletiva brasileira (que merecidamente foi a campeã).  Apenas uma coincidência, ou neste mercado ainda predominam os homens? 

LAURENT – De todas as pessoas que se inscreveram para o concurso, duas eram mulheres. E uma foi selecionada. Mas só soubemos disso depois, pois ao escolhermos as receitas, não estava identificado nem o nome nem o local do autor. O Brasil, especificamente, é um país que já demonstrou ter mais chance de ter mulheres na cozinha. Diferentemente da Europa, a tradição no Brasil de mulheres na cozinha é muito forte. Temos Helena Rizzo, Roberta Sudbrack, Manu Bufara, Tereza Paim, Ana Trajano, Mara Salles, Morena Leite, Renata Abreu, Ana Soares… é uma excelência de liderança das mulheres na cozinha. Posso dizer que nesse ponto de vista, a cozinha no Brasil é um dos setores menos machistas, diferentemente de outros países, como por exemplo a França. Nosso setor aqui não é machista. Aqui nos meus cursos, é bem equilibrado, entre homens e mulheres.

INFOOD – O que você prefere: cozinhar ou ensinar outros a cozinhar ?

LAURENT – Eu prefiro estar cozinhando ensinado do que cozinhar em um restaurante no dia a dia. Mas o que eu gosto mesmo é cozinhar. Seja ensinado, seja com cliente, o que eu gosto é o ambiente na cozinha. O que não gosto é todo o paralelo com gestão, administração. Agora, estar na frente de uma panela e cozinharisso é uma maravilha!

 

Por Redação

Fotos: Taís Pinheiro

 

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